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Novos rodopios!

A MULHER QUE AMAVA AS PALAVRAS

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Carolina Geaquinto Machado de Assis ensina que as palavras têm sexo, amam-se umas às outras, casam-se. O casamento delas é que se chama estilo. E o casamento de uma pessoa com uma palavra, como se chama? De vez em quando, me vem à cabeça uma palavra que não sei direito o que quer dizer. Resolvo logo ir ao dicionário, o fiel companheiro, ainda que às vezes traiçoeiro. Pois um dia resolvi procurar “chorumela” (não me pergunte por quê...). Acabei descobrindo que, primeiro, “chorumela” pode ser uma coisa de pouco valor, uma ninharia. Mas o sentido que estava realmente procurando, aquele da expressão “não me venha com chorumelas” é o que está registrado como um regionalismo do Rio Grande do Sul, ou seja, um discurso monótono, uma lengalenga (outra palavra muito divertida). Mas eis que, no meio do caminho, quer dizer, das páginas, encontrei “chumbregar”. Foi paixão à primeira vista! Essa sonoridade extravagante, brega mesmo como está na própria palavra, me encantou. Mas nã

Cacos

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Eliana Gesteira “ ... A palavra fere, machuca, dói. Proferida no calor aquecido por mágoas ou ira, penetra como uma flecha envenenada. Perdura no sentimento dilacerado e reboa, por um tempo que parece infinito, na mente atordoada pelo jugo que se impõe. Só o coração compassivo, e a meditação livram a mente de rancores e imunizam-nos da palavra maldita".  Frei Beto em O ofício de escrever.

PALAVRAS Maria Júlia

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  A partir de um texto de Frei Beto em O ofício de escrever   “...Vivemos sob o signo da palavra. Unir palavra e corpo é o mais profundo desafio de quem busca coerência na vida. Há políticos e religiosos que primam pela abissal distância entre o que dizem e o que fazem. E há os que falam pelo que fazem. A palavra fere, machuca, dói. Proferida no calor aquecido por mágoas ou ira, penetra como uma flecha envenenada. Perdura no sentimento dilacerado e reboa, por um tempo que parece infinito, na mente atordoada pelo jugo que se impõe. Só o coração compassivo, e a meditação livram a mente de rancores e imunizam-nos da palavra maldita.     Machado de Assis ensina que as palavras têm sexo, amam-se umas às outras, casam-se. O casamento delas é que se chama estilo.” ------------------------------   As palavras faltam. As palavras sobram. Há os que falam por falar, já que o som da própria voz reforça egos ávidos da chance de se apropriarem dos hiatos e reticências al

Ela e Arnaldo

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Vaneska M. Terça-feira normal, de uma semana comum, de um mês ordinário. Ela pega o ônibus de sempre, destino: trabalho. Não usual mesmo só o recém adquirido hábito de acompanhar-se   do Arnaldo pra espantar o tédio do viagem.   Arnaldo, recém-organizado, na playlist do celular tinindo de novo. Ele canta baixo pra ela, num sonzinho quase de vitrola: _ “ela quer viver sozinha sem a sua companhia e você ainda quer essa mulher...” Surge talvez um saxofone, o som aumenta de repente. Ela e Arnaldo vão começar o animado bate-papo! Aquele instrumento de comunicação, porém, não se restringe à prosa com Arnaldo. O telefone toca. Toca a música. Como atender se Arnaldo ainda tá ali? Num ímpeto desastrado, saca os fones do aparelho. O som íntimo e reservado toma conta do ônibus inteiro: ­_”ela goza com o sabonete não precisa de você ela goza com a mão não precisa do seu pau” _Porra, Arnaldo! Canta baixo! Para de cantar! Não me core de vergonha. Como eu deslig

UNS TROÇOS

Maria Júlia Personagens: policial- detida - intérprete.  Cena: a delegacia central de Amsterdã. Uma mulher jovem, magra, morena, com um bebê de poucos meses no colo. Um homem, no final dos trinta, recostado numa mesa. Uma moça de óculos sentada na frente dos dois. -Moça, pergunta para ele porque estou aqui. -Moça, diz para ela que quem começa com pergunta aqui sou eu e mais ninguém. -É só ele que começa com perguntas, você espera para responder. A mulher se remexe na cadeira e encara o policial: -Tá certo mas meu filho tem hora, não tá vendo que ele tá nervoso? -Diz para ela responder tudo certinho para poder ir embora. Explica que se ela não quiser depor contra o marido, a lei não obriga. -Depor o quê? -Falar contra seu marido. Muchochos: -Não vou falar nada, nem contra nem a favor, depende . -OK, pergunta o que é que aconteceu na terça-feira dia oito, de tardezinha. -A gente estava descansando, de repente, a polícia entra lá em casa, joga tudo no chão,

COMO QUISER

Eliana Gesteira – Vou me casar. – Como!?… acabei de sentar, você me convida…ah, isso agora! Garçom, traz dois cafés. Você quer!? Não? Um café. Forte. – Sim, pai, vou me casar. E com uma pessoa que, sei, não vai aprovar. – Quem é essazinha que você arranjou para casar, João? – ... é… atendente numa loja, não é como nós, trabalha para pagar os estudos, mora...Ah, pai, Dani... gentil, inteligente e nós nos amamos. – E ela sabe quem você é, meu filho? – Não. Ainda não contei. – Pois então você desconfia dela. – Não, não é isso, só preciso de um tempo para contar. – Ah...entendo. É por isso que casamos com nossos iguais. – Mas, pai... – Ela sabe que você nunca trabalhou? – Não. Por favor, pare. Está sempre me colocando na parede…. Amanhã mesmo vou à empresa. Começo amanhã, está bem? – Ah, meu filho, amanhã. Sempre amanhã, amanhã. O amanhã é para jovens. Jovens pensam que nunca vão morrer. – Vou amanhã. É verdade. Prometo! – Olha, filho, estou cansado de su

SERÁ QUE A VIDA É SÓ ISSO?

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Angela Fleury Diálogo platônico em uma caverna contemporânea: --- Em uma habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, estamos todos acorrentados bem no fundo, virados para uma parede, incapazes de voltar a cabeça. Você já percebeu isso? Com os pés e mãos amarrados, algemados nas pernas e nos pescoços, estamos incapazes de reagir, estamos todos imobilizados de tal maneira que só nos é permitido permanecer no mesmo lugar e olhar em uma única direção. Nada parece fazer sentido, mas mesmo assim há uma apatia geral. Parecemos estar definitivamente absortos pelo desconfortável espetáculo das falsas imagens, mas há de chegar uma hora em que tudo isso já não bastará mais. É certo, porém, que apesar de calados e encarcerados estão todos com o peito apertado, a beira de uma violenta e barulhenta explosão. Nada mais atual do que esta visão de Platão, para espelhar nosso tempo contemporâneo, você não acha? --- Você acredita mesmo que uma pessoa nessas